Do global para o local: as mulheres negras da América Latina e do Caribe.

Da coordenação. 

          No dia 25 de julho celebramos o dia da mulher negra da América Latina e do Caribe.  No Brasil, em 2 de junho de 2014, foi instituído por meio da Lei nº 12.987, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, homenageando uma das principais mulheres, símbolo de resistência e importantíssima liderança na luta contra a escravização.

          O site da Fundação Palmares[1] em julho de 2019 nos contava que “a população negra no Brasil corresponde a maioria, mais precisamente 54%, segundo o IBGE. De acordo com a Associação de Mujeres Afro, na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes. Porém, tanto no Brasil quanto fora dele, essa parcela populacional também é a que mais sofre com a pobreza: três em cada quatro são pessoas negras, ainda segundo o IBGE. Os dados sobre violência e desigualdade, de acordo com o Mapa da Violência, demonstram essa e outras realidades que atingem massivamente a população negra (com destaque no texto à condição da mulher negra)Em 1992, um grupo decidiu que era preciso se organizar de alguma forma para reverter esses dados e que uma solução só poderia surgir da própria união entre mulheres negras.

          Rafael Ciscati, em março de 2020 em sua coluna no Site nos presentou com o texto “As conquistas do movimento feminista brasileiro” evidenciando a atuação de Berta Lutz.  Em tal texto, “o movimento feminista brasileiro ao longo século XX era muito branco e intelectualizado”, segundo a Professora Celi Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e autora de “Uma História do Feminismo no Brasil” (Fundação Perseu Abramo/ 2003). “Hoje, vivemos a emergência do feminismo negro, do feminismo LBTI+ e de grupos mais jovens. É um movimento mais fragmentados e diversos”. No mesmo texto, Renata Prado contraria a ideia de que o feminismo brasileiro começa com Bertha Lutz e suas companheiras: “As mulheres negras e periféricas do Brasil sempre foram feministas, ainda que não soubessem disso”, afirma a ativista. “A maioria delas sempre trabalhou. Muitas são chefes de família”, completa. Segundo a professora Celi Pinto, o movimento feminista organizado do século XX era muito “branco e elitizado”. Deixava de lado, por isso, reivindicações e problemas que diziam respeito às mulheres negras, pobres ou distantes dos círculos da elite. O quadro começou a ser alterado nas últimas décadas, com o surgimento de vozes do feminismo negro, LBTI+ ou de diferentes vertentes. 

          O Fórum de Saúde da População Negra do município de São Paulo, realizado em julho via Youtube, pautou-se pela ideia de que há uma perfeita sinergia entre gênero, racismo e classe, mas, segundo Angela Davis, “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” no entanto, o lugar da mulher negra na sociedade atual não é uma questão simples como parece, pois, demonstra grande luta e manutenção de seu “ser e estar” na diversidade. Na cidade Tiradentes, a realidade das mulheres, envolve mães solos, com grandes dificuldades no trabalho, no transporte de má qualidade, assédio, a posição de mãe que sai pra trabalhar e deixa seus filhos com terceiros, uma vez que nem todos acessam a creche e alta sofrimento por vezes sem marido, com os filhos em casa, ficando o tempo todo fora de casa  “sem ver os filhos crescerem”. Muitas dessas mulheres não conseguem fazer pré-natal porque não podem faltar ao serviço e assim não acessam os demais recursos disponíveis no SUS. Naquele universo, onde faltam médicos, nem sempre esses profissionais querem trabalhar com negros e o atendimento ofertado por várias vezes, acontece de forma desigual. Para Geralda Marfisa, “é preciso defender o SUS e ir às ruas”, para não perdemos as conquistas obtidas até aqui. A violência cotidiana impera em todas as áreas, privilegiando a ideia de que as mulheres negras não precisam avançar da posição que ocupa na sociedade, mas “elas não se cansam”. É preciso que a mulher negra seja valorizada, ao invés de ser vista como uma pessoa em detrimento do homem branco.

         As singularidades, especificidades e os interesses dessas mulheres foram suprimidos da construção da sociedade brasileira. O grau de violência direcionado, incluindo o falso moderno dizendo que sim, as questões dessas mulheres eram incluídas no processo político, mas não eram e, por conseguinte, apesar do diagnóstico historicamente apresentado pelos movimentos sociais, continuamos na mesma situação. Avançamos: durante muito tempo tais questões eram jogadas fora e não havia acesso as possibilidades de intervenção em grande escala, no entanto, as cotas, por exemplo, documentam o avanço da política, tal como a presença dessas mulheres nos espaços político, como o conselho de saúde e o poder público, as parcerias com o ministério público, dialogando com a estrutura.

          Para Roseli é preciso conhecer as ferramentas e a cronologia do tempo político, sempre lembrando a inclusão e a luta em defesa do SUS, tal como prevê a legislação brasileira, sempre chamando atenção para o acesso e as oportunidades. Para ela “o racismo como sujeito composto é uma grande contribuição da academia, mas é preciso lembrar do racismo enquanto sujeito simples, que estrutura a sociedade brasileira, que impede a inserção e participação e a contribuição das mulheres negras no processo político”. Questões como essas envolvem a importância das agendas internacionais, como o Objetivo Sustentáveis e a Agenda 5050, que os gestores devem responder já que são questões importantes para o cenário internacional construído coletivamente. A intolerância religiosa é parte dessa agenda, pois é preciso refletir sobre a inserção dessas comunidades na discussão política, sempre lideradas por mulheres negras, que atuam localmente.

          Para Lúcia Xavier, “a luta é incessante no que diz respeito ao enfrentamento à essas violência não perder o grau de humanidade que há em nós”, visto que o racismo é uma ideologia é profunda, forte e por isso mesmo a gente vai dando subjetivos a essa violência profunda de que somos vítimas cotidianamente. Essa nossa capacidade de responder a essas violências, á exemplo de Teresa de Benguela, é muito forte. Compreende Lúcia que “a capacidade de construção de respostas é muito grande e nem sempre os resultados são tão favoráveis, pois a sociedade não mudou, não se movimentará porque ela não está na condição de escravos, mas sim de escravizador”. É a luta, no entanto, quem impulsiona o avanço político nacional, vide Marcha das Mulheres Negras de 2015 em Brasília, mas não se trata porém, de questões pontuais, mas sim da mudança de estrutura para impedir o avanço crescente da violência contra as mulheres, e assim, as mulheres negras refazem a organização social para sem manterem vivas com papel preponderantes, como no caso da manutenção do candomblé com seus ancestrais, valorizando a diferença na igualdade, reconstruindo as relações de hierarquia, refazendo as relações de poder, reconhecendo a importância da diferença. Essa é uma produção de humanidade para que a vida haja sentido.

Essa é uma agenda, por fim, que dialoga sistematicamente com a política nacional de saúde, visto que os negros são a maioria entre os usuários do SUS.

          “É preciso aperfeiçoá-lo, mas a ideia holística de saúde mora na organização das mulheres negras, que sempre viram a sociedade assim, de forma integral, complexa e completa” razão pela qual, essas mulheres sempre estiveram conectadas a essa realidade, atuando em defesa de si e dos outros.


[1] Consultar o site http://www.palmares.gov.br/?p=54714

Autor: Aliança Pró-Saúde da População Negra

A Aliança Pró-Saúde da População Negra desde 2018 vem se organizando para o enfrentamento do racismo, mobilizando lideranças de diferentes coletivos negros e organizações, estudantes, pesquisadores, profissionais de saúde e afins, atenta à necessidade de políticas efetivas em atenção à saúde da população negra, no país, no Estado e no município de São Paulo.

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