Ọ̀rọ̀ tó máa di akàn, bí ẹja ni í kọ́kọ́ ńrí

“O que acabará bem, pode ter começado com muitos desafios” – provérbio Yorùbá

Por Ana Luíza da Silva*

 

ana luisa

Foto: Bento Fábio (Coletivo Papo Reto)

Assistimos hoje a escalada de um vírus que atravessou fronteiras em uma amplitude assustadora, uma pandemia, que muda por completo a nossa organização social, nosso cotidiano, nossos afetos e nossa relação com o mundo e a vida em si. O coronavírus humano é um vírus preexistente, existindo tipos diferentes e a descoberta do primeiro data da década de 60. Ele evolui a partir de outros animais e assume um novo código genético que afeta os seres humanos. Nos anos 2000 houve diferentes surtos do coronavírus humano pelo mundo, no entanto foram casos que não tomaram a proporção que vemos hoje.

Entre mudanças de paradigmas futuros e a “neurose” que vivenciamos cotidianamente com a carga de informações e desinformações, dos textos de positividade tóxica e as diversas manifestações de pessoas públicas e anônimas que nos colocam em “pé de igualdade’’ por sermos todos passíveis de nos infectar, temos lidado com os problemas reais que já apontávamos muito antes de uma pandemia imergir e acentuar ainda mais os problemas estruturais do país e do mundo.

Como o ex ministro da educação Fernando Haddad pontuou dias atrás, já “é bastante duro ter que lidar com o vírus e o verme, simultaneamente”. O governo lida com a crise social e econômica de uma maneira irresponsável, genocida e anti-ciência. Baseia as políticas públicas emergenciais a partir de seus achismos e no “seu entendimento” racista e assassino.

E é duro que, para nós, população preta – que viveu e vive na linha de frente de quase todas as pautas sociais que levantamos – seja nos empurrada de narrativas de que somos todos iguais, dentro de uma estrutura social onde milionários buscam por isolamento social em seus iates de luxo e multimilionários sugerem que as vidas serão perdidas de uma forma ou de outra, mas que o lucro e o trabalho não pode parar. Para a população preta, nas sociedades onde somos frutos da Diáspora, uma pandemia se torna mais uma arma contra nossas vidas. O vírus ebola nos mostrou isso, pelo descaso com que foram tratados os casos dentro de África. O que já era estruturalmente desigual mantém-se da mesma forma e dessa vez ainda pior, pois não somos e nunca seremos iguais dentro da estrutura capitalista, e nem mesmo fomos antes dela. Somos todos ‘parte’ de um mesmo ecossistema e nele estamos brutalmente separados pelas barreiras do racismo e do Deus dos brancos: o dinheiro e o lucro. O pertencimento a uma espécie e a um mesmo contexto pandêmico só têm nos mostrado o abismo que nos distancia conforme contabilizamos as nossas perdas nos dias de isolamento social.

Segundo Juliana Pinho, comunicadora popular da favela da Maré (Rio de Janeiro), existe uma tensão das pessoas muito grande acerca da incerteza quanto à renda, pois a maioria dos moradores da favela não sabe por quanto tempo terão renda. Além disso, nos primeiros dias da quarentena, o Observatório de Favelas e diversos outros grupos cobriram a situação das pessoas em algumas favelas do Rio de Janeiro, que não possuíam abastecimento de água potável para necessidades primárias como para sua ingestão e higiene.

Em uma pesquisa realizada pelo ‘Data Favela[1], em dados numéricos, aponta-se que “que 54% das pessoas empregadas têm receio de perder o emprego, e 75%  preocupa-se com os impactos da doença em suas rendas.” Alexandre da Silva afirmou que essas tensões – relacionadas às questões mais básicas de sobrevivência, como medo de passar fome – podem causar intensificação do sofrimento psíquico nestes grupos sociais. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, 72% das populações das favelas já enfrentam uma diminuição em suas rendas.

Além das incertezas e inseguranças que esse momento tem nos trazido de forma acentuada, as mídias pretas e independentes têm feito o trabalho que as grandes mídias tradicionais vêm negligenciando: um olhar mais aprofundado sobre a realidade das comunidades tradicionais (quilombolas) e comunidades com população majoritariamente preta nos grandes e pequenos centros urbanos.

Nas últimas semanas, o governo já anunciou a expulsão de uma comunidade quilombola no Maranhão, em vista de um convênio fechado com os Estados Unidos e o genocida Jair Bolsonaro.  O ‘Alma Preta’ também realizou uma cobertura com diversos quilombos pelo território nacional e o clima é de medo, já que os agentes de saúde e as políticas de saúde não chegam de maneira qualitativa para as comunidades tradicionais. É importante reforçamos entre os nossos, principalmente os mais velhos, a importância de permanecermos em isolamento social tendo em vista a superlotação dos aparelhos de saúde. Devemos lembrá-los da alta letalidade desse vírus, e de que nossa vulnerabilidade nos torna os principais alvos nessa pandemia.

O Nexo Jornal fez um levantamento das principais campanhas de arrecadação de fundos que serão injetados diretamente nas populações em vulnerabilidade social, seja com alimentação ou produtos que aumentam os cuidados contra a expansão do COVID-19. No mais, seguimos a máxima que nos manteve até aqui: Somos nós por nós. Todo apoio é necessário e fundamental e esse é também o sentido do nosso aquilombamento. Saiba como ajudar através das instituições e mídias independentes:

[1] O Instituto Data Favela é o primeiro instituto de pesquisa e estratégias de negócios, focado na realidade das favelas brasileiras, estudando o comportamento e o consumo do morador desses territórios e identificando oportunidades de negócios para empresas.

*Coordenação Executiva da Aliança Pró-Saúde da População Negra.

Autor: Aliança Pró-Saúde da População Negra

A Aliança Pró-Saúde da População Negra desde 2018 vem se organizando para o enfrentamento do racismo, mobilizando lideranças de diferentes coletivos negros e organizações, estudantes, pesquisadores, profissionais de saúde e afins, atenta à necessidade de políticas efetivas em atenção à saúde da população negra, no país, no Estado e no município de São Paulo.

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