As dificuldades da periferia frente ao coronavírus

Nathalia P

Nathália Prince*

Uma das reflexões que é necessário fazermos é como articular para que as pessoas moradoras de favelas tenham acesso adequado aos cuidados da saúde durante esta pandemia. A orientação dos infectologistas do mundo a fim de evitar a contaminação do vírus Covid – 19, conhecido como coronavírus, é que sejam evitadas as aglomerações. O próprio IBGE classifica a área de favelas como a Rocinha, Vidigal, Maré, Casa Amarela e Paraisópolis, cidades de “aglomerações subnormais”, por falta das condições mínimas de saúde, saneamento e condições de habitação.

O médico sanitarista Valcler Rangel, da Fiocruz, durante entrevista com Colabora, apontou que deve haver equidade nas medidas de prevenção e controle do coronavírus  tratando os territórios e as condições de saúde das pessoas de maneira diferente, visto que as próprias medidas que estão sendo recomendadas, não são acessíveis a essas populações que vivem no Rio de Janeiro e São Paulo. Como por exemplo, limpar as mãos com álcool gel, usar lenço de papel, realizar o isolamento aos que estão doentes em um dos cômodos da casa, mas como ficariam o isolamento em casas que têm apenas um cômodo? E essa cena compõe grande parte da realidade de diversos brasileiros.

O Raull Santiago, fundador do Coletivo Papo Reto e residente do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, relatou durante entrevista com o portal da UOL que a dificuldade de acesso à água potável deixa os moradores da favela excluídos da prevenção do coronavírus, que por conta da violência histórica da desigualdade e do racismo, muito antes dessa pandemia, o acesso à água diariamente e outros direitos básicos nunca foram amplamente garantidos e que “a gente poupa água não por questão ambiental, mas por necessidade, porque a gente sabe que se tem água hoje, só terá novamente daqui uma semana”, relatou Santiago. Durante a entrevista exposta, ele relatou também a dificuldade de moradores possuírem álcool gel, não somente pela disponibilidade do produto e sim pelo preço. Os moradores da favela do Complexo do Alemão estão há 12 dias sem água, impedidos de higienizar-se adequadamente contra o novo vírus.

Foi realizada uma entrevista da BBC com Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis, favela que vivem cerca de 100 mil habitantes na região da zona sul de São Paulo. Ele acredita que a maioria de casos registrados de covid-19 será nas favelas, e trouxe a reflexão também da questão do isolamento: “como é que um idoso vai entrar em uma situação de isolamento em uma casa com dez pessoas e dois cômodos? Esse é um isolamento para rico, o pobre não tem condição de fazer”. Gilson afirmou que esta preocupação reflete a visão de lideranças das favelas em todo país. Outra questão que trouxe foi sobre a questão do desemprego e das pessoas que realizam trabalhos informais, quase 69% da população da Paraisópolis. De onde terão renda para estocar alimentos, comprar álcool gel e seguirem as recomendações?

Além disso, no Rio de Janeiro, uma das portas de entrada dessa doença pode ser através do turismo. A Favela da Rocinha, por exemplo, recebe diversos turistas estrangeiros que colocam entre seus roteiros um tour nas favelas. Os dados da pesquisa da demanda turística internacional no Brasil, produzido pelo Ministério do Turismo, aponta que italianos, alemães, franceses, norte-americanos, chilenos e argentinos são os que mais visitaram o Rio de Janeiro entre 2014 e 2018. E apesar da associação de moradores da região pedir a suspensão as empresas que realizam esse tipo de atividade, durante essa semana, moradores postaram em redes sociais turistas realizando tours.

Portanto, de acordo com as reportagens e dados que foram apresentados, torna-se de grande importância a ampliação da discussão acerca das condições de saúde destinadas a população periférica e majoritariamente negra, e como as diversas facetas da biopolítica continuam atuando a fim de determinar quem tem direito ou não de viver.

Referências:

Por que o coronavírus pode afetar as favelas e como se prevenir?” Favela em Pauta, 2020. Link:https://favelaempauta.com/coronavirus-favelas/?utm_medium=Email&utm_campaign=BoletimCoronavirus&utm_source=nexoassinantes

E quando o coronavírus chegar nas favelas? Colabora, 2020. Link: https://projetocolabora.com.br/ods3/e-quando-o-coronavirus-chegar-nas-favelas/

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/03/18/favelas-serao-as-grandes-vitimas-do-coronavirus-no-brasil-diz-lider-de-paraisopolis.htm

Somos excluídos: Prevenção ao corona “esquece” favelas sem saneamento” UOL, 2020. Link:

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/17/somos-excluidos-prevencao-ao-corona-esquece-favelas-sem-saneamento.htm

 

*Associação de Amigos e Familiares de Presos – Amparar.

Autor: Aliança Pró-Saúde da População Negra

A Aliança Pró-Saúde da População Negra desde 2018 vem se organizando para o enfrentamento do racismo, mobilizando lideranças de diferentes coletivos negros e organizações, estudantes, pesquisadores, profissionais de saúde e afins, atenta à necessidade de políticas efetivas em atenção à saúde da população negra, no país, no Estado e no município de São Paulo.

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