Nomeada representante da coordenação executiva da Aliança Pró-Saúde da População Negra em 2018, Jéssica Moura, 35 anos, integrante do Coletivo Terça Afro, psicóloga, orientadora vocacional em cursinhos pré vestibulares comunitários conta sua trajetória de militância, formação e vida para o Blog da Aliança.
Iniciei minha participação na Aliança Pró-Saúde da População Negra através do Coletivo Terça Afro que atua na Zona Norte de São Paulo região da Vila Nova Cachoeirinha, com atividades que proporcionam vivências pedagógicas que visem trocas, instrumentalização e valorização da comunidade negra para o enfrentamento ao racismo.
Sou natural de São Paulo, filha de mãe maranhense e pai alagoano, me considero nordestina por origem, nasci na Zona Norte bairro da Brasilândia, ainda na infância mudei para a Zona Leste COHAB II, quando meus pais adquiram um imóvel em área de ocupação.
Na leste frequentei diferentes projetos sociais e culturais, experiência que hoje considero importante, pois ampliou minha compreensão sobre a periferia, suas potências e vulnerabilidades. Desde cedo os movimentos sociais estiveram presentes em minha vida, através de minha bisavó, avó, mãe e tias. Em igrejas católicas, associações do bairro, movimentos de moradia, de mulheres, educação e infância.
E quando ser mulher e preta passou a ser percebido como um fator de importância central em sua vida?
Aos 20 para 21 anos ingressei no cursinho pré-vestibular comunitário, neste periodo comecei a compreender os desdobramentos do que é ser uma mulher negra na sociedade, estas questões foram aparecendo de maneira mais latente, apesar de sempre me considerar negra. Entender que o racismo e o machismo fazem parte do nosso cotidiano, através dos sofrimentos psíquicos, as relações de trabalho, assim como as relações humanas e amorosas fragilizadas são resultado do racismo presente no nosso cotidiano. Por mais que perceber essas questões é doloroso mas me fez perceber como nossas vidas giram em torno de experiências racistas e quão ele se torna um fator determinante em nossas vidas, e que se não tivermos “estrutura” para confrontar as determinações dele, adoecemos por ele.
Ao entrar na universidade para o curso de psicologia em 2005, fiz parte da primeira turma de bolsistas que adentraram pelo ProUni (Programa Universidade Para Todos, criado pela Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005) e ser bolsista mulher, negra não foi fácil, fui subestimada por professores e colegas de turma, mas fazer parte de uma turma com número considerável de bolsista me deu força e apoio para continuar.
E a negritude quando esteve sempre presente em sua vida?
Sempre esteve presente, principalmente em sua família materna, majoritariamente negra: “Minha mãe, desde que eu era muito pequena me dizia que eu era uma menina negra, eu só não entendia o que aquilo significava naquele momento e nem as consequências disso. Mas nunca tive dúvidas de que eu sou negra”.
Porém a consciência e as causas do racismo, só fui entender na vida adulta, através da experiência desde a solidão no campo afetivo, preterimento, além da misoginia que tem requintes de crueldade e são vivências frequentes para nós, mulheres negras. Tudo isso está no meu processo formador, de quem sou e de como me vejo hoje. Acredito que sou o resultado das minhas experiências da infância, adolescência e da vida adulta. Além do legado que as gerações de mulheres da sua família, – bisavó, avó e mãe – já falecidas, deixaram foi e é fundamental para a construção da mulher negra que sou e tudo isso ainda é muito presente em mim.
Militâncias
Minha história familiar, fazer cursinho comunitário, ser bolsista no curso de psicologia, foram experiências importantes para a sua entrada na militância. Comecei cedo a participar de ONG, enquanto educadora, depois com adolescentes em medidas socioeducativas. Já minha participação em coletivos é algo recente essa experiência aconteceu a partir do Terça Afro há um ano, “sempre foi uma militância muito mais para servir o outro, não em uma concepção de subserviência, mas de partilhar minha trajetória e conscientizar sobre questões raciais dentro da base, meu trabalho é devolver aos meus o que recebi dos meus”.
Além disso, também desenvolvo um projeto de oficinas e comercialização de confecção de acessórios com materiais recicláveis e acessíveis, nas atividades do Artesanatos Abayomi pretendo tocar em questões importantes como identidade, estética, autoestima, geração de renda, cuja o público alvo são as mulheres negras e periféricas.
Construir e fortalecer minha identidade enquanto mulher negra, resultou em estar dentro dos espaços de militância e procuro ser referência para outras mulheres negras, pois entendo que estamos muito mais vulneráveis ao abuso, às violências, às doenças e a falta de acesso para tratamentos, etc. Movimentar mulheres negras para coisas que geram impactos positivos em suas vidas, é o que traz força e potencialidade para a minha militância.
Inspirações
Meu encantamento pelas mulheres negras vêm de toda a luta do nosso povo, desde o tráfico de seus corpos, sobrevivendo no Brasil. Como mencionei diversas vezes nesta entrevista minhas maiores referências e inspirações vêm de casa, e minha mãe (Conceição de Maria Moura Silva Santos) foi e ainda é uma figura importante em minha vida, “por toda a determinação, consciente de seu papel, extremamente inteligente, solidária e que inspirou muita gente por aí.”
Atuações
Há um ano faço parte do Coletivo Terça Afro, onde está há um ano, a experiência de construir e dividir projetos é um desafio importante, pois em coletivo somos mais fortes e temos muito mais potência. E os Artesanatos Abayomi é uma paixão, dividir experiências e instrumentalizar mulheres através da beleza, e estética são fundamentais para mim.
Também faço curso de Psicologia e Racismo no Instituto AMMA Psique e Negritude, a experiência de conviver com tantas psicólogas pretas militantes e atuantes nas questões da negritude é ímpar e entender as consequências do racismo na psique humana com certeza é um divisor de águas na minha atuação profissional, com essa capacitação pretendo oferecer atendimento terapêutico para mulheres negras em breve.
Da Aliança ao casamento
Fazer parte da Aliança tem sido de grande aprendizado, pois minhas experiências não são na área da saúde (apesar da minha formação em psicologia), e sim com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Os desafios e descobertas nesse processo são muito importantes, pois revejo minha trajetória e os caminhos que serão possíveis de trilhar a partir do meu papel na Aliança.
Minha nomeação como uma das coordenadoras foi uma surpresa e uma responsabilidade, já que é um trabalho pioneiro em São Paulo, mas ao mesmo tempo, acredito que ser uma representante da coordenação executiva é muito mais uma formalidade, pois construímos nossas ações e decisões de forma horizontal, e o caráter coletivo da Aliança faz com que todos tenham voz e espaço.
Conheça o seu trabalho no Terça Afro e Artesanatos Abayomi.
Um trabalho de extrema importância, não conheço o projeto mas deu para entender através da sua entrevista. Não sei se vcs fazem o trabalho com pessoas brancas para essa conscientização.
A primeira vacina dada à crianças contra as doenças foi o leite do peito das mulheres negras, pesquise um pouco mais
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